Como Agir Diante da Violência Escolar? Guia Para Professores


sala de aula vazia


Hoje o tema é violência escolar. Já presenciei colegas sendo ameaçados dentro da sala de aula, já escutei gritos nos corredores e até precisei intervir em situações de agressão física entre alunos — tudo isso em um ambiente que deveria ser seguro e acolhedor para todos. 

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Talvez você também já tenha vivido algo assim, e se sentiu sozinho(a), desamparado(a), sem saber a quem recorrer ou o que fazer.

É angustiante perceber que a violência escolar deixou de ser uma exceção e, em muitas escolas públicas e privadas, virou rotina. 

A sensação de impotência é real: muitas vezes a gestão da escola minimiza os casos, as famílias se recusam a colaborar e, quando buscamos ajuda nas secretarias de educação, a resposta é burocrática ou inexistente. 

Enquanto isso, seguimos em sala de aula com medo, tentando garantir o mínimo de segurança possível para nós e para nossos alunos.

O impacto emocional disso é profundo. Muitos professores desenvolvem quadros de ansiedade, insônia, depressão e até transtorno de estresse pós-traumático. 

Sem apoio psicológico, sem amparo jurídico e sem formação continuada para lidar com conflitos, nos vemos no limite. 

Além disso, o medo de represálias ou de sermos responsabilizados por situações fora do nosso controle nos impede de denunciar ou agir de forma firme.

Mas eu te digo: não estamos sozinhos. Existem caminhos possíveis, dentro da legalidade, do diálogo e da proteção mútua. 

Conhecer seus direitos, os protocolos oficiais e as estratégias pedagógicas mais eficazes pode ser o primeiro passo para enfrentar essas situações com mais segurança e clareza.

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O Que É Violência Escolar? Um Conceito que Vai Muito Além da Agressão Física

A expressão violência escolar pode parecer autoexplicativa, mas quando olhamos com atenção, percebemos que ela carrega camadas complexas e diferentes interpretações. 

Para a pesquisadora Miriam Abramovay (2003), que coordenou um dos maiores estudos sobre violência nas escolas da América Latina, a violência escolar envolve desde agressões físicas e verbais até discriminação, exclusão, vandalismo, bullying e situações de ameaça — tanto entre alunos quanto entre alunos e professores. É, portanto, um fenômeno multifacetado.

Já o sociólogo Bernard Charlot (2005), em sua análise das relações pedagógicas, argumenta que a violência na escola não está restrita a atos visíveis. 

Para ele, há uma “violência simbólica” presente nas desigualdades de acesso e na negação da escuta, que muitas vezes inviabiliza o diálogo entre professores e estudantes.

Esse tipo de violência também se manifesta no tratamento desumanizado que marca o cotidiano escolar, sobretudo nas periferias. 

Essa abordagem amplia nosso olhar: violência escolar não é apenas o tapa ou o grito, mas também o silêncio institucional.

O professor Paulo Carrano (2014), da UFF, reforça que a violência escolar precisa ser entendida como parte de um contexto social mais amplo. 

Ela é reflexo de desigualdades históricas, racismo estrutural, ausência do Estado e falta de políticas públicas efetivas. 

Quando um estudante agride um professor, não é um ato isolado, mas o resultado de um acúmulo de tensões não resolvidas.

Etimologicamente, a palavra “violência” vem do latim violentia, que significa “uso da força” ou “ação violenta”. 

Quando aplicada ao espaço escolar, esse termo se torna ainda mais ambíguo, pois o ambiente educacional deveria ser baseado na construção do conhecimento, no diálogo e no respeito mútuo. 

A presença da violência aí revela rupturas graves que precisam ser tratadas com seriedade.

Entender o que é a violência escolar é o primeiro passo para enfrentá-la de forma consciente, ética e legal.

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Fatores Que Contribuem Para a Violência Escolar: Uma Rede de Causas Invisíveis

Ao tratar da violência escolar, é fundamental compreender que ela não é fruto de um único fator isolado. 

Trata-se de um fenômeno complexo, atravessado por desigualdades sociais, ausência de políticas públicas efetivas e fragilidades dentro da própria estrutura escolar. 

Muitas vezes, os comportamentos agressivos expressos por alunos ou até por membros da equipe pedagógica são sintomas de um sistema adoecido, que não oferece suporte nem condições adequadas de ensino e convivência.

Conhecer as causas que favorecem o surgimento e a perpetuação da violência na escola é essencial para pensar em estratégias de enfrentamento mais eficazes. 

A seguir, apresento uma lista ampliada com os principais fatores que contribuem para a ocorrência de diferentes formas de violência no ambiente educacional:

  • Alunos em situação de vulnerabilidade enfrentam dificuldades que impactam diretamente seu comportamento e relação com o espaço escolar.
  • A ausência de apoio familiar e a desvalorização do processo educativo dificultam a construção de vínculos com a escola.
  • Ambientes escolares deteriorados, sem espaços adequados de convivência, favorecem tensões e conflitos.
  • A intolerância e a discriminação contribuem para a exclusão de alunos e professores, criando ambientes hostis.
  • Salários baixos, sobrecarga de trabalho e falta de reconhecimento agravam o desgaste emocional da categoria.
  • Tanto alunos quanto profissionais da educação têm pouco ou nenhum acesso a suporte emocional dentro da escola.
  • Direções escolares que ignoram ou minimizam conflitos contribuem para o agravamento das situações de violência.
  • Muitos educadores não receberam formação adequada para lidar com situações de agressividade e tensão no cotidiano escolar.
  • Problemas graves no ambiente familiar, como violência doméstica, dependência química ou abandono, refletem diretamente no comportamento do estudante.
  • A escola sozinha não consegue resolver problemas que exigem articulação com assistência social, saúde mental e segurança pública.
  • A normalização da violência nos meios de comunicação, redes sociais e até mesmo na política afeta a percepção dos jovens sobre o respeito e a autoridade.
  • Quando pais, alunos e profissionais não participam ativamente das decisões escolares, a sensação de pertencimento e responsabilidade coletiva diminui.
  • O excesso de alunos por turma dificulta o acompanhamento individual, favorece conflitos e torna a gestão da disciplina mais complexa.
  • A ausência de práticas intencionais ou projetos de promoção da convivência saudável impede a construção de ambientes seguros e acolhedores.

Diante dessa complexa rede de fatores, é importante que o enfrentamento da violência escolar não recaia exclusivamente sobre o professor. 

É necessário que haja políticas públicas integradas, formações específicas e o fortalecimento de redes de apoio dentro e fora da escola. 

Só assim poderemos transformar o ambiente educacional em um espaço verdadeiramente seguro, acolhedor e formativo para todos os envolvidos.

De acordo com o Observatório da Violência Escolar da Unesco (2021), 70% dos professores brasileiros já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho. 

O dado é alarmante e mostra que não estamos diante de casos isolados, mas de um fenômeno sistêmico. 

O relatório ainda aponta que as escolas com maior índice de violência são aquelas localizadas em áreas vulneráveis, com pouca presença do Estado e ausência de políticas públicas integradas.

A escola, infelizmente, pode reproduzir a violência estrutural da sociedade. Quando não há um projeto pedagógico que valorize a escuta, o acolhimento e a mediação de conflitos, o espaço se torna propício para a escalada da agressividade.

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Como Lidar Com a Violência Na Escola Sem Colocar Sua Saúde Em Risco

O enfrentamento da violência escolar exige cautela e estratégia. Não é recomendável agir por impulso, nem se expor desnecessariamente. 

A primeira medida é relatar o ocorrido à coordenação ou direção da escola e solicitar o preenchimento da ficha de ocorrência escolar — um documento essencial para qualquer tipo de providência posterior.

Em situações de agressão física ou ameaça grave, registre boletim de ocorrência. Professores são servidores públicos em exercício, e qualquer agressão sofrida durante a atividade laboral é considerada crime, conforme o Código Penal, Art. 331.

Além disso, procure suporte psicológico e, se possível, oriente seus colegas a agirem coletivamente. Grupos de professores que atuam em rede conseguem mais respaldo da gestão e das instituições públicas.

5 Ações Que Podem Reduzir Casos De Violência Em Sala

  1. Estabeleça regras claras desde o primeiro dia de aula
    Alunos precisam saber quais são os limites e quais comportamentos não serão tolerados.

  2. Crie espaços de escuta com os alunos
    Roda de conversa e assembleias escolares são ferramentas eficazes para trabalhar o diálogo.

  3. Envolva a família
    Chamar os responsáveis em situações leves pode evitar agravamentos futuros.

  4. Estabeleça parcerias com a rede de proteção
    Conselho tutelar, CRAS, CAPS e outras instituições devem atuar junto à escola.

  5. Documente tudo
    Registre as situações de conflito por escrito. Isso ajuda a proteger você legalmente.

Legislação E Protocolos: O Que A Escola Deve Fazer?

A Lei nº 13.185/2015, conhecida como a Lei do Combate à Intimidação Sistemática, obriga todas as escolas públicas e privadas a implantarem medidas de prevenção e enfrentamento ao bullying. Ignorar essas medidas pode caracterizar omissão da instituição.

Além disso, a escola deve seguir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (CNE, 2012), que indicam a importância de desenvolver a cultura de paz e a gestão democrática.

Toda escola precisa ter um protocolo de violência escolar, com ações definidas para diferentes tipos de ocorrências. Esses protocolos devem envolver:

  • Registro de ocorrência
  • Comunicação com os responsáveis
  • Encaminhamento à rede de proteção
  • Reunião pedagógica para avaliação do caso
  • Apoio psicológico e pedagógico ao professor envolvido

Documentos Oficiais Que Todo Professor Deve Conhecer

O professor que atua na educação básica precisa conhecer os principais documentos legais e pedagógicos que regulamentam o funcionamento da escola, a proteção de crianças e adolescentes e as diretrizes para a construção de uma cultura de paz no ambiente escolar. 

Esses documentos não são apenas textos institucionais: eles são ferramentas de proteção, orientação e respaldo jurídico no enfrentamento da violência escolar.

A seguir, apresento os principais documentos que devem fazer parte do repertório profissional de todo educador:

Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

 A BNCC estabelece as competências e habilidades que devem ser desenvolvidas ao longo da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. 

Entre elas, destaca-se a competência geral nº 9, que orienta o desenvolvimento do autoconhecimento, do autocuidado e das relações interpessoais baseadas na empatia, no diálogo, na cooperação e na resolução de conflitos.cAlém disso, o documento  propõe o trabalho com temas contemporâneos transversais, como direitos humanos, diversidade, ética e cidadania — elementos fundamentais para a prevenção da violência e a promoção de uma cultura de paz dentro da escola. 

Trabalhar esses temas de forma intencional ajuda a criar vínculos mais saudáveis entre estudantes e professores.

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Criado pela Lei nº 8.069/1990, o ECA é um dos principais marcos legais de proteção da infância e adolescência no Brasil. Ele estabelece direitos e deveres de crianças, adolescentes, famílias, sociedade e poder público. 

Para o professor, o ECA oferece fundamentos legais para agir diante de situações de violência, negligência familiar, abandono, abuso e exploração de menores. Além disso, determina que toda criança tem direito à educação em um ambiente livre de violência física, psicológica ou institucional.

É também com base no ECA que se pode acionar o Conselho Tutelar em casos em que o direito do aluno estiver sendo violado — ou, em situações graves, quando for o aluno o autor da agressão, garantindo a responsabilização com medidas socioeducativas.

Plano Nacional de Educação (PNE)

O PNE (Lei nº 13.005/2014) define metas e estratégias para a melhoria da qualidade da educação no país por um período de dez anos. Entre os objetivos, está a garantia de um ambiente escolar seguro, democrático e participativo.

Em sua Meta 7, por exemplo, o PNE propõe fomentar ações que promovam a educação em direitos humanos, a valorização da diversidade e a cultura da paz. Esses princípios devem nortear os projetos pedagógicos e as ações institucionais nas escolas, com foco na prevenção da violência e no fortalecimento do convívio respeitoso.

Planos de Convivência Escolar (municipais e estaduais)

Presentes em várias redes estaduais e municipais de ensino, os Planos de Convivência Escolar são documentos que reúnem normas de conduta, protocolos de atendimento, estratégias pedagógicas e orientações jurídicas para a prevenção e o enfrentamento de situações de conflito. 

Em geral, esses planos são elaborados pelas próprias secretarias de educação e devem ser do conhecimento de toda a comunidade escolar. 

Eles indicam, por exemplo, os procedimentos para registrar uma ocorrência de violência, quais órgãos devem ser acionados, como mediar conflitos, quais medidas protetivas podem ser adotadas e quais as penalidades previstas.

Conhecer esse plano é fundamental para o professor saber como agir corretamente, dentro dos trâmites legais e pedagógicos da rede em que atua.

Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (CNE/CP nº 1/2012)

Publicada pelo Conselho Nacional de Educação, essa resolução orienta que todas as escolas brasileiras promovam práticas pedagógicas voltadas à formação ética, à participação democrática, à valorização das diferenças e à promoção da justiça social.

Essas diretrizes reforçam a ideia de que a escola deve ir além da transmissão de conteúdos e atuar como espaço de formação para a cidadania crítica e ativa.

No contexto da violência escolar, esse documento serve de base para justificar projetos, ações coletivas, formações e práticas que envolvam o diálogo, a escuta e a mediação de conflitos como parte integrante da aprendizagem.

Regimento Escolar e Projeto Político-Pedagógico (PPP)

Esses documentos internos da escola também são fundamentais para o enfrentamento da violência. 

O regimento define as normas de funcionamento e disciplina da instituição, enquanto o PPP deve refletir os valores da escola, os objetivos formativos e as estratégias de intervenção diante de situações de crise.

Muitos professores não conhecem a fundo esses documentos, mas eles são ferramentas legais que podem ser acionadas para garantir seus direitos, cobrar ações da gestão e propor mudanças em prol de um ambiente mais seguro e respeitoso.

Além disso, a construção coletiva do PPP é uma oportunidade para inserir práticas e programas voltados à cultura de paz, escuta ativa e inclusão social.

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Conhecer e utilizar esses documentos não é burocracia: é um ato de proteção.

Quando o professor domina essas referências legais e pedagógicas, ele se fortalece para agir com mais segurança, exigir seus direitos e colaborar para transformar o ambiente escolar em um espaço de desenvolvimento humano e social.

Agora que você conhece os conceitos, causas, leis e estratégias para enfrentar a violência escolar, é hora de se apropriar desses conhecimentos e aplicá-los com ética e respaldo legal. 

Nos próximos artigos, vamos aprofundar casos práticos, planos de aula sobre cultura de paz e atividades que ajudam a transformar o ambiente escolar em um espaço de respeito.

A violência escolar não é uma batalha que você precisa enfrentar sozinho(a). Ao se informar, documentar e buscar apoio, você se protege e contribui para uma escola mais segura para todos. 

É possível, sim, transformar a cultura do medo em uma cultura de paz — mas isso exige coragem, formação e ação coletiva.

Como professora com mais de 10 anos em sala de aula, afirmo: o primeiro passo é reconhecer que essa realidade precisa ser enfrentada — e que você tem direito à segurança, ao respeito e ao apoio institucional.

Espero que este texto tenha te ajudado de alguma forma.

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