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Oi, professor(a)! Hoje vamos falar sobre competências socioemocionais. Quem vive o dia a dia da sala de aula sabe que ensinar vai muito além do conteúdo escrito no quadro.
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É lidar com alunos que chegam carregando frustrações, ansiedades e dificuldades que muitas vezes transbordam no comportamento.
É tentar ensinar em meio a conflitos, desmotivação e até episódios de violência, sem deixar que isso afete o restante da turma.
Nos meus mais de 10 anos de experiência em sala, percebi que o professor, por mais dedicado que seja, não consegue transformar a realidade do estudante apenas com fórmulas, datas e textos.
Precisamos ensinar nossos alunos a lidarem com suas emoções, a se relacionarem melhor com os colegas e a encontrarem seu espaço no mundo.
Mas aqui surge um grande dilema: nós, professores, fomos preparados para isso?
Infelizmente, a maioria de nós não recebeu formação adequada para desenvolver essas competências nos estudantes.
É justamente por isso que as competências socioemocionais ganharam espaço nos currículos e políticas públicas: elas ajudam a promover um ambiente escolar mais saudável e favorável ao aprendizado.
Neste texto, quero compartilhar reflexões, dados e experiências que mostram como as competências socioemocionais podem transformar a escola — e como nós, professores, podemos ser agentes ativos nesse processo. Vamos começar!
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Conceituação e histórico do surgimento das competências socioemocionais
O conceito de competências socioemocionais não é novo. De acordo com Daniel Goleman, autor do livro “Inteligência Emocional” (1995), o desenvolvimento de habilidades como empatia, autocontrole e resiliência pode impactar profundamente a vida acadêmica e social dos indivíduos.
No Brasil, pesquisadores como Telma Vinha (2019) destacam que essas competências envolvem o conjunto de atitudes, valores e habilidades que permitem ao indivíduo se relacionar bem consigo mesmo e com os outros.
Na década de 90 o tema foi ampliado. A própria UNESCO fez um estudo e levantamento, do que chamou de “quatro pilares da educação” (Delors, 1996): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.
Esses pilares sustentaram a necessidade de inserir a dimensão socioemocional no currículo escolar, aproximando a educação das demandas sociais e emocionais do século XXI.
Essa trajetória nos ajuda a compreender que não se trata de modismo, mas de um movimento global de repensar a educação para além do cognitivo. Quer saber como isso chegou às nossas políticas públicas?
Documentos normativos e legislativos
No Brasil, o debate sobre competências socioemocionais ganhou respaldo legal a partir de documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96), que prevê a formação integral do aluno.
Temos também a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que em seu artigo introdutório destaca a importância do desenvolvimento pessoal, social e emocional dos estudantes.
Além disso, o Plano Nacional de Educação (PNE – Lei nº 13.005/14) destaca a importância de preparar os estudantes para enfrentar os desafios atuais, estimulando a convivência harmoniosa e o desenvolvimento de estratégias para solucionar conflitos.
Documentos internacionais, como a Agenda 2030 da ONU e os relatórios d OCDE sobre educação socioemocional, também influenciam nossas políticas.
Esses dispositivos deixam claro que não basta ensinar conteúdos: precisamos educar para a vida. Mas, será que a ausência dessas competências está relacionada a um problema maior nas escolas?
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Dados de violência escolar
Infelizmente, os números mostram que a escola ainda é um espaço de conflitos graves.
Segundo a pesquisa “Clima Escolar e Violência” (Instituto Ayrton Senna, 2023), 62% dos professores afirmam que já presenciaram situações de agressão entre alunos, e 38% já sofreram algum tipo de violência verbal por parte dos estudantes.
O Censo Escolar 2022 (INEP) também aponta que episódios de bullying, depredações e brigas continuam em alta, especialmente em regiões de maior vulnerabilidade social.
Esses dados reforçam que desenvolver competências socioemocionais é uma estratégia essencial para reduzir tensões e melhorar a convivência.
Mas como transformar essas informações em práticas reais dentro do currículo?
Elaboração de um currículo com foco em competências socioemocionais
Para que as competências socioemocionais deixem de ser apenas um conceito e se tornem uma prática constante na escola, é necessário que estejam incorporadas ao planejamento pedagógico.
Segundo estudos do Instituto Ayrton Senna (2022), um currículo que contemple essa dimensão precisa incluir propostas que desenvolvam habilidades como empatia, cooperação, pensamento crítico e capacidade de autogestão.
Esses objetivos podem ser alcançados por meio de metodologias participativas, como rodas de conversa, atividades interdisciplinares, projetos colaborativos e espaços destinados à reflexão individual.
O professor, nesse contexto, assume o papel de facilitador, promovendo um ambiente acolhedor onde os estudantes possam compartilhar experiências e aprender a lidar com questões emocionais.
E como será que outros países têm conseguido colocar essas práticas em ação?
Países que possuem um currículo estabelecido para trabalhar com as competências socioemocionais
Diversos países avançaram nesse sentido e se tornaram referência mundial na integração das competências socioemocionais aos currículos escolares.
A Finlândia, por exemplo, é um dos casos mais emblemáticos. Desde a reforma curricular de 2016, o desenvolvimento socioemocional passou a ser um eixo transversal, presente em todas as disciplinas e etapas da educação básica.
Segundo a Agência Nacional de Educação da Finlândia (2017), o objetivo é preparar os estudantes não apenas para o sucesso acadêmico, mas também para a vida em sociedade, promovendo autonomia, resiliência e empatia.
Uma das práticas mais conhecidas é a inclusão de “momentos de bem-estar emocional” no dia escolar, onde os alunos realizam atividades de autorreflexão e exercícios de mindfulness guiados por professores capacitados.
No Canadá, programas de Social Emotional Learning (SEL) vêm sendo implementados há mais de uma década, com base em pesquisas da Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL).
De acordo com Durlak et al. (2011), estudantes que participaram de programas de SEL apresentaram um aumento de 11% no desempenho acadêmico e uma redução significativa em comportamentos de risco.
s escolas canadenses incorporam práticas como mediação de conflitos entre pares, projetos colaborativos e acompanhamento psicológico integrado ao currículo.
Singapura também se destaca por suas políticas públicas específicas voltadas ao desenvolvimento socioemocional.
O Ministério da Educação de Singapura (2020) implementou o programa “Character and Citizenship Education (CCE)”, que promove competências como responsabilidade, empatia e trabalho em equipe, desde os primeiros anos da educação.
O país oferece formações contínuas para os professores, garantindo que estejam preparados para atuar como facilitadores do desenvolvimento emocional dos alunos.
Esses exemplos mostram que é possível equilibrar conteúdos acadêmicos e habilidades emocionais, promovendo uma educação mais humana e inclusiva.
Como destaca Heckman (2011), prêmio Nobel de Economia, “habilidades socioemocionais têm tanto impacto na vida adulta quanto as cognitivas, influenciando a empregabilidade, o bem-estar e a participação social”.
Diante desses avanços, surge a pergunta: como estamos caminhando no Brasil e o que podemos aprender com essas experiências internacionais?
A BNCC e o desenvolvimento das competências socioemocionais
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2017, consolidou a importância das competências socioemocionais ao integrá-las entre as 10 competências gerais da educação básica.
Dentre essas, destacam-se o desenvolvimento da empatia, da responsabilidade, da cooperação e da capacidade de gerenciar emoções e comportamentos — aspectos fundamentais para a formação integral do estudante.
Na prática, isso se traduz em objetivos de aprendizagem presentes nos componentes curriculares, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio.
Por exemplo, no Ensino Fundamental – Anos Finais, habilidades como EF15ER04 (Respeitar diferentes formas de expressão religiosa) e EF08GE03 (Analisar dinâmicas culturais e sociais com respeito à diversidade) incentivam atitudes de tolerância, respeito e convivência.
Outras habilidades que dialogam com o campo socioemocional incluem:
- EF09EF07 (Compreender e valorizar a cooperação em atividades coletivas)
- EF06LP26 (Produzir textos argumentativos considerando o ponto de vista do outro)
- EF08ART06 (Experimentar práticas colaborativas em projetos artísticos)
No Ensino Médio, a BNCC estabelece competências específicas que envolvem diretamente aspectos socioemocionais. A Competência Específica da Área de Linguagens nº 7, por exemplo, propõe: "Exercitar o diálogo, o respeito e a empatia nas interações sociais, reconhecendo a diversidade de opiniões e culturas."
Já a habilidade EM13CHS102, da área de Ciências Humanas, convida o aluno a refletir sobre ética, cidadania e direitos humanos.
Apesar dessas diretrizes, ainda é desafiador transformar as propostas da BNCC em práticas pedagógicas consistentes.
Isso exige investimentos em formação continuada, espaços de planejamento coletivo e políticas que apoiem o professor na implementação dessas habilidades no cotidiano escolar.
O papel da equipe multidisciplinar no desenvolvimento socioemocional
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Foto de Katerina Holmes |
Em algumas escolas, especialmente nas redes privadas e em projetos-piloto de redes públicas, já existe a presença de equipes multidisciplinares formadas por psicólogos, pedagogos especializados, assistentes sociais e até coaches educacionais.
Esses profissionais têm um papel fundamental no fortalecimento das competências socioemocionais, tanto dos alunos quanto dos professores.
O psicólogo escolar, por exemplo, contribui para identificar fatores emocionais que afetam o aprendizado, oferece suporte em situações de conflito e auxilia no planejamento de estratégias para melhorar a convivência.
Já os coaches educacionais têm se destacado em algumas instituições por trabalharem aspectos como motivação, foco e autogestão, tanto com os alunos quanto com a equipe docente.
No Brasil, a Lei nº 13.935/2019 determinou que psicólogos e assistentes sociais façam parte das redes públicas de educação básica, justamente para apoiar no enfrentamento de questões emocionais, sociais e familiares que impactam a vida escolar.
Apesar disso, dados do Conselho Federal de Psicologia (2023) mostram que a implementação dessa lei ainda avança lentamente, e muitos municípios não conseguiram incluir esses profissionais de forma efetiva em suas redes.
Mas como os professores podem trabalhar junto com essa equipe? Na prática, a integração pode ocorrer por meio de reuniões de acompanhamento dos casos mais delicados.
Considerar o compartilhamento de observações sobre o comportamento dos alunos e planejamento conjunto de projetos que fortaleçam as competências socioemocionais.
Por exemplo, um professor que percebe um estudante retraído ou agressivo pode articular com o psicólogo escolar um plano de acompanhamento individual.
Já os assistentes sociais podem ajudar a compreender o contexto familiar do aluno, oferecendo subsídios para estratégias mais adequadas dentro da sala de aula.
Esse trabalho conjunto fortalece o ambiente escolar, amplia o olhar sobre cada aluno e potencializa os resultados das ações voltadas ao desenvolvimento socioemocional.
No entanto, sabemos que essa realidade ainda está distante da maioria das escolas brasileiras, especialmente nas redes públicas.
Por isso, é fundamental que haja investimento e políticas públicas que tornem essas equipes uma presença constante nas instituições de ensino.
Relato de uma atividade que melhorou as habilidades de convivência em uma escola
Em uma das escolas em que trabalhei, enfrentávamos muitos desafios relacionados à convivência entre os alunos: discussões constantes, dificuldade em respeitar regras e pouca colaboração entre eles.
Percebi que, se não criássemos um espaço seguro para trabalhar essas questões, o aprendizado de conteúdos também ficaria comprometido.
Foi então que decidi aplicar um método inspirado em práticas utilizadas no Canadá, que integram o desenvolvimento socioemocional ao currículo escolar.
Durante dois meses, realizamos encontros semanais com as turmas, nos quais trabalhamos temas como empatia, comunicação não violenta e resolução de conflitos.
As atividades incluíam rodas de conversa, dramatizações e momentos de escuta ativa, onde cada estudante podia expor suas dificuldades e refletir sobre suas atitudes.
Em um desses encontros, uma aluna comentou: “Eu nunca tinha parado para pensar que os meus colegas também têm problemas em casa. Agora entendo melhor por que alguns ficam tão irritados”.
Essa fala me marcou muito, pois mostrou que os alunos estavam começando a enxergar o outro com empatia.
Um professor parceiro no projeto também disse: “Notei que os alunos passaram a resolver pequenas brigas entre eles sem precisar que a gente interviesse. Parece que eles estão aprendendo a negociar e ouvir mais uns aos outros”.
Ao final desse período, notei uma mudança significativa: os conflitos diminuíram, a participação em sala aumentou e o ambiente escolar se tornou muito mais colaborativo.
Essa experiência me mostrou que investir no desenvolvimento socioemocional, mesmo com recursos limitados, traz resultados concretos.
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Perguntas frequentes sobre competências socioemocionais
1. O que são competências socioemocionais?
São capacidades que envolvem a maneira como administramos nossas emoções, nos relacionamos com as pessoas e superamos situações desafiadoras. Entre elas estão empatia, autorregulação, resiliência, cooperação e habilidades de comunicação.
2. Por que é importante trabalhar competências socioemocionais na escola?
Porque elas contribuem para a melhora do clima escolar, reduzem conflitos, favorecem a aprendizagem e ajudam os alunos a desenvolverem autonomia e responsabilidade.
3. Como a BNCC trata as competências socioemocionais?
A Base Nacional Comum Curricular incorpora essas competências nas 10 competências gerais, destacando a importância do desenvolvimento pessoal e social como parte da formação integral do estudante.
4. Quais são exemplos de atividades que desenvolvem essas competências?
Rodas de conversa, projetos interdisciplinares, dramatizações, trabalhos em grupo e atividades de reflexão sobre sentimentos e atitudes são práticas eficazes.
5. Qual a relação entre competências socioemocionais e redução da violência escolar?
Ao trabalhar habilidades como empatia e comunicação, os alunos aprendem a lidar melhor com frustrações e conflitos, diminuindo episódios de agressões e bullying.
6. Professores precisam de formação específica para aplicar essas práticas?
Sim, a formação continuada é essencial para que os educadores conheçam metodologias adequadas e consigam integrar essas competências ao currículo.
7. Quais países são referência no trabalho com competências socioemocionais?
Finlândia, Canadá e Singapura são exemplos de países que possuem currículos estruturados e programas específicos para desenvolver essas habilidades nos estudantes.
Conclusão
Ao longo deste texto, vimos que as competências socioemocionais não são um modismo, mas uma necessidade urgente para melhorar o clima escolar, reduzir conflitos e preparar nossos alunos para a vida em sociedade.
Vimos que países como Finlândia, Canadá e Singapura já avançaram nessa direção e que, no Brasil, a BNCC trouxe um importante marco ao incluir essas habilidades como parte essencial da formação dos estudantes.
Mais do que políticas, precisamos de ações concretas: formação continuada para professores, equipes multidisciplinares atuando lado a lado conosco e projetos que aproximem a escola da realidade emocional dos alunos.
Como educadores, podemos começar com pequenos passos: rodas de conversa, atividades colaborativas e parcerias com outros profissionais que ajudem a ampliar nosso olhar sobre os estudantes.
Trabalhar competências socioemocionais é, acima de tudo, humanizar a educação. E isso não é apenas transformar alunos: é também transformar a nossa prática e tornar a escola um espaço mais acolhedor para todos.
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Professora Camila Teles