A promessa da IA na escola pode esconder um abismo entre alunos e professores. Talvez você também já tenha sentido aquela sensação de que está sempre correndo atrás da tecnologia. De um lado, a escola exige inovação.
Do outro, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fala em cultura digital, mas na prática, pouco diz sobre como aplicar isso no dia a dia da sala de aula.
E aí, surge a inteligência artificial com tudo: plataformas de texto automático, aplicativos que "pensam sozinhos" e ferramentas que prometem facilitar o ensino.
É nesse cenário que muitos professores se perguntam: estamos preparados para ensinar alunos conectados, curiosos e que já estão usando IA sem sequer saber o que é BNCC? Quem nos garante que estamos ensinando o que eles realmente precisam aprender para o futuro?
A boa notícia é que, sim, é possível integrar a IA à prática pedagógica de forma simples, sem deixar de seguir as diretrizes da BNCC.
E mais: com isso, podemos transformar o modo como planejamos e conduzimos nossas aulas. Vamos começar!
O que a BNCC realmente diz sobre tecnologia e IA?
A BNCC, embora não mencione diretamente a inteligência artificial, fala sobre o desenvolvimento de competências digitais, especialmente na competência geral 5:
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais [...].
Isso significa que temos respaldo legal para trabalhar com IA em sala de aula. Não se trata de seguir modismos, mas de responder a uma exigência curricular.
Essa competência é transversal, ou seja, precisa ser desenvolvida em todas as áreas do conhecimento, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
Ela dialoga com outras competências como:
- Pensamento crítico e resolução de problemas (Competência 4);
- Argumentação (Competência 8);
- Responsabilidade e cidadania (Competência 10).
Então, ao propor atividades com uso de ferramentas de IA, estamos, na verdade, atendendo diretamente ao que a BNCC propõe.
Como a Inteligência Artificial pode ser usada de forma pedagógica?
A IA já está presente em muitas ferramentas que usamos — muitas vezes, sem percebermos. Aplicativos como o Google Classroom, Khan Academy e Duolingo usam algoritmos para personalizar conteúdos e sugerir atividades com base no desempenho do aluno.
Na prática, podemos usar IA para:
- Planejar aulas com mais rapidez (ex: usando o ChatGPT para gerar sugestões de temas ou estratégias);
- Corrigir textos com ferramentas que analisam gramática e coerência automaticamente;
- Criar jogos e quizzes personalizados;
- Oferecer feedback instantâneo e individualizado aos estudantes.
Isso não substitui o professor. Pelo contrário: dá a ele mais tempo para se dedicar ao que realmente importa — o contato com o aluno.
BNCC, IA e protagonismo estudantil
Outro ponto de conexão entre a BNCC e a IA é o desenvolvimento do protagonismo do estudante. Ao utilizar recursos digitais que se adaptam ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, damos a ele mais autonomia para aprender.
Podemos propor projetos interdisciplinares como:
- Produção de podcasts usando IA na edição de som;
- Escrita criativa com ferramentas de geração de texto;
- Análise de dados e gráficos em matemática com auxílio de IA.
Mas atenção: o uso da tecnologia deve ser sempre reflexivo e crítico. Isso significa conversar com os alunos sobre os limites e os riscos da IA, como o uso ético das informações, os vieses algorítmicos e a importância de validar fontes.
Como as famílias podem contribuir com o uso das IAs na educação?
O avanço da inteligência artificial (IA) está transformando a forma como ensinamos e aprendemos.
Na escola, já vemos professores utilizando ferramentas que ajudam a planejar aulas, avaliar atividades e oferecer apoio mais individualizado aos alunos.
Mas e em casa? Como as famílias podem participar desse processo e contribuir para que a IA seja usada de forma positiva na educação?
A primeira forma de contribuir é participando ativamente da rotina escolar da criança ou do adolescente.
Muitas famílias ainda não sabem que seus filhos já têm contato com a IA em aplicativos, plataformas educacionais e até mesmo em assistentes virtuais.
Por isso, é importante conversar com os filhos sobre essas tecnologias, entender como elas funcionam e acompanhar os conteúdos acessados.
Outro ponto importante é ajudar a desenvolver o uso crítico e responsável da tecnologia. As IAs não devem ser usadas apenas para copiar respostas ou resolver tarefas automaticamente.
Os pais podem orientar os filhos a usarem essas ferramentas como apoio para aprender melhor: fazendo resumos, organizando ideias, buscando explicações diferentes para um mesmo conteúdo.
O papel da família é incentivar a curiosidade e a autonomia, sem transformar a IA em um atalho para fugir do esforço.
Além disso, é essencial que os responsáveis orientem sobre os limites do uso dessas ferramentas. Isso inclui o tempo de tela, a qualidade das fontes de informação e os cuidados com os dados pessoais.
Ensinar que a IA pode errar, apresentar informações desatualizadas ou até tendenciosas é parte da formação para o uso consciente.
A família também pode contribuir sendo parceira da escola. Participar de reuniões, perguntar como a tecnologia está sendo trabalhada em sala de aula e buscar formas de colaborar com o processo educativo em casa são atitudes simples, mas muito eficazes.
Muitas vezes, os professores têm boas ideias, mas não conseguem aplicá-las por falta de apoio fora da escola.
Por fim, os adultos também precisam aprender junto com os filhos. Vivemos um momento em que o conhecimento se transforma rapidamente.
Mostrar disposição para entender o funcionamento das IAs, fazer perguntas, testar ferramentas junto com os filhos e conversar sobre os impactos dessas tecnologias no futuro profissional e pessoal é um grande exemplo.
A educação não acontece só na escola, mas também no diálogo dentro de casa.
A contribuição das famílias no uso da inteligência artificial na educação não exige conhecimentos técnicos, mas sim disposição para acompanhar, orientar e dialogar.
Esse envolvimento fortalece o aprendizado e ajuda a formar cidadãos mais conscientes, críticos e preparados para o futuro.
Como posso usar a inteligência artificial de forma ética sem estimular a cópia?
Nos últimos meses, percebi que muitos colegas professores estão enfrentando o mesmo dilema que eu: como aproveitar os benefícios da IA em sala de aula sem deixar que os alunos se tornem dependentes dessas ferramentas?
A tecnologia pode ser uma grande aliada, mas também traz riscos quando usada de forma mecânica, sem reflexão. E um dos pontos mais delicados está na produção de textos.
Tenho observado que alguns estudantes passaram a recorrer a ferramentas de geração automática de texto para responder perguntas, elaborar redações e até fazer trabalhos completos.
À primeira vista, o resultado até parece satisfatório. Mas, quando analisamos com mais atenção, percebemos que há algo importante sendo perdido: o processo de construção do pensamento, a organização das ideias, a criatividade e a autoria.
A produção de texto é uma habilidade que vai muito além de juntar palavras com sentido. Escrever exige que o aluno pense criticamente, selecione informações, argumente com clareza e saiba se posicionar.
Quando ele terceiriza esse processo para uma IA, perde a chance de desenvolver competências fundamentais para sua formação.
E isso tem impacto direto não só no desempenho escolar, mas também na sua capacidade de se comunicar no mundo real.
Não estou dizendo que devemos proibir o uso da inteligência artificial. Ao contrário, acredito que precisamos ensinar os alunos a usá-la de forma consciente.
Para isso, venho adotando algumas estratégias de ensino que têm funcionado na minha prática. Primeiro, sempre explico o papel da IA como ferramenta de apoio, e não como fonte de respostas prontas.
Depois, proponho atividades que exigem intervenção humana, como a comparação entre um texto gerado por IA e um texto escrito por eles mesmos.
Esse exercício ajuda os alunos a perceberem que nem tudo o que é automatizado está correto, coerente ou bem argumentado.
Outro ponto que abordo com frequência é o risco da dependência. Quando o aluno se acostuma a usar IA para tudo, deixa de desenvolver o próprio raciocínio.
Aos poucos, passa a acreditar que não é capaz de escrever sozinho. Isso compromete sua autonomia intelectual e enfraquece a confiança nas próprias ideias.
Em vez de aprender, ele apenas consome. E essa postura passiva vai na contramão do que a escola deveria estimular.
Por isso, sempre que utilizo tecnologias com meus alunos, deixo claro que o objetivo é apoiar, não substituir.
Crio momentos de discussão, reflexão e revisão. Incentivo o uso da IA para pesquisar temas, organizar tópicos, revisar ortografia ou expandir vocabulário, mas nunca para gerar o texto completo.
Assim, eles aprendem a usar a ferramenta como um parceiro de escrita, não como um atalho.
Acredito que o papel do professor, nesse cenário, é orientar com equilíbrio.
Não podemos fechar os olhos para a tecnologia, mas também não podemos permitir que ela roube dos nossos alunos a chance de pensar por si mesmos.
Ensinar o uso ético da IA é, mais do que nunca, um trabalho de formação crítica.
A IA pode reforçar desigualdades entre alunos que têm mais ou menos acesso à internet e dispositivos?
Sempre que penso nas possibilidades que a IA pode oferecer à sala de aula, me entusiasmo com o potencial de personalizar o ensino, otimizar o tempo do professor e engajar os estudantes de forma mais dinâmica.
No entanto, ao voltar para a realidade das escolas públicas, principalmente nas periferias e nas zonas rurais, esse entusiasmo logo é freado.
Falta de acesso amplia o abismo educacional
Uma preocupação que precisa ser discutida com seriedade: a inteligência artificial pode, sim, ampliar as desigualdades educacionais se não for acompanhada de políticas de inclusão digital.
Diariamente, vejo alunos que não têm celular próprio, que dependem do sinal instável da escola ou que dividem um único dispositivo com vários irmãos.
Enquanto isso, outros estudantes têm acesso a notebooks modernos, internet rápida e até plataformas de aprendizado baseadas em IA. Como esperar os mesmos resultados de alunos que vivem realidades tão diferentes?
Essa diferença, que já existe no acesso ao material didático tradicional, se intensifica quando falamos em ferramentas tecnológicas.
Dados que revelam a desigualdade no uso da IA
Segundo o relatório Education at a Glance (OCDE, 2023), países com maior desigualdade socioeconômica apresentam grandes disparidades no uso e nos resultados obtidos com tecnologias digitais em sala de aula.
No Brasil, a pesquisa TIC Educação mostra que ainda há uma enorme lacuna de acesso entre estudantes de escolas públicas e privadas.
Enquanto mais de 90% dos alunos da rede privada acessam a internet diariamente por meio de dispositivos próprios, esse número cai drasticamente nas redes públicas — principalmente na educação básica.
Não basta ter acesso: é preciso saber usar
Além da questão estrutural, existe um outro aspecto delicado: a qualidade do uso da IA.
Não basta o aluno ter um aparelho ou conexão. É preciso saber usar a tecnologia de forma produtiva, crítica e segura. E isso depende não só de formação, mas também de acompanhamento.
Quando a IA entra na rotina de quem tem acesso e apoio familiar, os resultados são visíveis. Já entre aqueles que não têm esse suporte, o uso pode ser superficial ou até prejudicial, reforçando a exclusão.
Risco de desumanização e a educação com dois pesos
Também me preocupa o risco de desumanização do ensino nos contextos mais vulneráveis.
Em alguns países, como Índia e África do Sul, pesquisadores vêm alertando que a IA está sendo usada como solução rápida para suprir a falta de professores.
Ou seja, estudantes em áreas pobres são colocados diante de robôs ou tutores automáticos, enquanto alunos de regiões ricas continuam com aulas presenciais e acompanhamento humano.
Isso nos obriga a refletir: será que estamos caminhando para uma educação com dois pesos e duas medidas?
A IA precisa ser usada com equidade
Por isso, acredito que o papel do professor é mais relevante do que nunca. Precisamos estar atentos para que a IA seja usada como ferramenta de inclusão, e não de exclusão.
Isso exige políticas públicas que garantam acesso à infraestrutura, formação docente continuada e, principalmente, uma abordagem pedagógica que valorize o ser humano acima da máquina.
Caso contrário, corre o risco de ampliar um abismo que já existe há décadas na educação brasileira.
O que os professores perdem em não dominar a Inteligência Artificial
A inteligência artificial (IA) já faz parte do cotidiano escolar, mesmo que de forma silenciosa.
Está presente nas plataformas de correção automática, nas sugestões de atividades personalizadas e até na organização de conteúdos.
Apesar disso, muitos professores ainda resistem ou não se sentem preparados para usar essa tecnologia. Mas o que realmente está em jogo quando o professor deixa de aprender sobre IA?
Primeiro, perde-se tempo e praticidade. Muitas ferramentas com IA foram criadas para facilitar tarefas repetitivas, como correção de atividades, geração de relatórios e até planejamento de aulas.
Professores que dominam essas ferramentas conseguem otimizar sua rotina e ter mais tempo para o que realmente importa: o contato pedagógico com os alunos.
Sem esse domínio, continuam sobrecarregados com tarefas que poderiam ser automatizadas de forma segura.
Além disso, perde-se oportunidade de personalizar o ensino. A IA permite adaptar conteúdos de acordo com o nível de aprendizagem de cada aluno.
Isso significa que, com o apoio certo, é possível oferecer atividades mais adequadas, respeitando o ritmo e a necessidade individual.
Quando o professor não conhece essas possibilidades, tende a manter métodos únicos para todos, o que pode prejudicar o desenvolvimento de muitos estudantes.
Outro ponto é a desconexão com a realidade dos alunos. Crianças e adolescentes já usam IA, mesmo que sem saber o nome disso.
Usam apps e jogos que indicam vídeos, escrevem com ajuda de corretores automáticos e fazem buscas inteligentes.
Quando o professor ignora esse universo, perde a chance de dialogar com a linguagem dos alunos e trazer mais engajamento para as aulas.
Também se perde a possibilidade de inovar com ética e consciência. Ao não dominar a IA, o professor corre o risco de deixar que outras forças decidam como ela será usada na educação – muitas vezes sem critério pedagógico.
Quando entendemos como a IA funciona, podemos ensinar os alunos a usá-la de forma crítica, evitando dependência, desinformação e uso indevido.
Por fim, perde-se espaço no cenário educacional em transformação. O mundo está mudando, e a escola precisa acompanhar.
Professores que dominam as novas tecnologias têm mais chance de participar de projetos inovadores, concorrer a vagas mais atrativas e se destacar profissionalmente.
Aqueles que resistem, acabam ficando à margem, mesmo tendo muito conhecimento pedagógico.
Dominar a inteligência artificial não significa virar especialista em tecnologia, mas sim entender como ela funciona e como pode ser usada a favor da educação.
Quem escolhe aprender sobre isso não só ganha em eficiência, como também amplia suas possibilidades de atuação e fortalece seu papel como educador no século XXI.
Formação docente: estamos preparados para isso?
Segundo dados do TIC Educação 2023, apenas 33% dos professores se sentem preparados para trabalhar com tecnologias digitais de forma significativa.
Esse número cai ainda mais quando o assunto é inteligência artificial.
Muitos de nós aprendemos na prática. Somos guerreiros digitais, tentando equilibrar rotina, planejamento, e agora, o desafio da IA.
Mas é preciso que haja formação continuada e acessível. Cursos rápidos, gratuitos e que respeitem o tempo do professor.
Nomes como José Manuel Moran e Lúcia Santaella têm discutido o papel da tecnologia na educação de forma acessível.
Moran, por exemplo, defende que o professor do futuro será aquele que souber integrar inteligência humana e artificial para promover experiências de aprendizagem mais ricas.
Conclusão
A inteligência artificial não precisa ser vista como ameaça, mas como aliada. Ela pode nos ajudar a transformar práticas pedagógicas e a tornar a escola mais conectada com o mundo real.
Comece com o que você tem. Escolha uma ferramenta, uma aula, um projeto. Observe como os alunos reagem. Aos poucos, a integração entre BNCC e IA vai deixar de ser teoria para se tornar vivência.
O importante é manter o olhar crítico e a postura ética que sempre fizeram parte da nossa prática docente.
Gostou? Leia mais...
Alunos Exploram o Mundo com Google Earth: Projeto que Você Precisa Ver
Gratidão!
Professora Camila Teles.
0 Comentários
Gostou do conteúdo?
Compartilhe e participe do debate deixando seu comentário.
Inscreva-se para receber novidades!
Faça parte da nossa comunidade de aprendizado.
Obrigada por ler e compartilhar!
Professora Camila Teles