Hoje vamos falar sobre Indústria 4.0. Em um mundo que discute inteligência artificial, automação e profissões que ainda nem existem, nós ainda ensinamos em salas com lousas de giz e ventiladores quebrados.
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Recentemente, lecionei em uma escola onde o projetor servia apenas de enfeite e a internet sequer alcançava a sala dos professores.
O diário escolar ainda era de papel, e mesmo assim, éramos pressionados a inovar, criar experiências digitais e preparar nossos alunos para um futuro tecnológico — tudo isso sem as mínimas condições estruturais.
É nesse cenário contraditório que somos cobrados a desenvolver competências digitais, discutir programação, falar sobre robótica e preparar jovens para o chamado “mercado 4.0”.
Mas como ensinar isso a estudantes que não têm acesso nem a um computador funcional? Como cobrar inovação se o básico ainda não foi garantido? É exatamente sobre isso que vamos tratar aqui. Reflita comigo.
O Que De Fato Significa Falar Em Indústria 4.0 Na Educação?
Quando ouvi falar pela primeira vez em Indústria 4.0, confesso que achei o termo distante do meu cotidiano em sala de aula.
Parecia uma expressão ligada apenas à engenharia, à automação fabril ou à robótica avançada.
Mas aos poucos fui percebendo que, mesmo sem ter sido preparada para ela, essa revolução silenciosa já está impactando diretamente a nossa prática docente — e mais ainda, o futuro dos nossos alunos.
O conceito de Indústria 4.0 foi popularizado por Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, que define essa revolução como a convergência entre os mundos físico, digital e biológico.
Segundo Schwab (2016), diferentemente das revoluções anteriores, a 4.0 não se limita à substituição da força humana pela máquina, mas à criação de sistemas inteligentes e interconectados, capazes de aprender, prever e tomar decisões em tempo real.
Historicamente, passamos por três grandes revoluções industriais: a primeira com a máquina a vapor; a segunda com a eletricidade e a produção em massa; e a terceira com a chegada da informática.
A quarta, no entanto, vai além da automação: ela altera as relações sociais, o modo de consumo, o trabalho e, inevitavelmente, a educação.
Etimologicamente, o termo “indústria” vem do latim industria, que significa diligência, aplicação.
E aqui mora uma ambiguidade importante: enquanto se fala de inovação e velocidade como sinônimos de progresso, muitas escolas ainda estão presas em uma estrutura do século XIX, tentando formar alunos para um século XXI que não espera por ninguém.
Na prática, falar em Indústria 4.0 na escola exige muito mais do que inserir tecnologia em sala.
Exige uma ruptura de paradigma: sair do modelo conteudista para o desenvolvimento de competências e habilidades, conforme propõe a BNCC; rever o papel do professor como mediador e do aluno como protagonista; e, principalmente, garantir o acesso equitativo às ferramentas que permitam esse processo.
Mas o que vemos, muitas vezes, é o uso da expressão “educação para o futuro” como um slogan bonito, esvaziado de sentido na realidade das redes públicas.
Sem estrutura, sem formação continuada e sem condições mínimas, como podemos de fato preparar nossos estudantes para esse novo mundo?
É justamente essa contradição que precisamos enfrentar com coragem. E é por isso que o próximo passo deste texto vai aprofundar as implicações práticas e pedagógicas da Indústria 4.0 em nossas salas de aula — com todas as limitações, mas também com as possibilidades que se abrem quando entendemos nosso verdadeiro papel nesse cenário.
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Como falar em indústria 4.0 se ainda usamos lousa de giz?
Uma reportagem do g1 Educação mostrou que mais de 50% das escolas públicas brasileiras não possuem conectividade com a internet.
Isso mesmo. Em pleno avanço da inteligência artificial e da automação, milhares de alunos ainda vivem uma realidade offline, sem qualquer chance de competir em igualdade com os estudantes das redes privadas ou de centros urbanos mais estruturados.
Enquanto se fala em big data, machine learning e plataformas digitais, tem aluno que nunca usou um teclado. E isso não é exagero. É a realidade escancarada de quem está nas periferias, em áreas rurais ou em escolas negligenciadas.
A chamada Indústria 4.0 exige competências digitais, pensamento computacional, resolução de problemas e criatividade aplicada — mas o que se ensina, na prática, ainda é decorar, copiar e preencher apostila.
E o professor? Também fica à margem dessa transformação. A maioria de nós não teve formação continuada adequada para lidar com essas mudanças. Somos empurrados para um cenário digital com pouco ou nenhum apoio técnico.
Os cursos de licenciatura, salvo raras exceções, ainda tratam a tecnologia como um recurso acessório — e não como eixo central de uma nova lógica de ensino e aprendizagem.
É aí que mora a incoerência. Cobra-se inovação de um sistema que sequer oferece o básico. O discurso sobre "preparar para o mercado do futuro" não pode ser só retórico.
É preciso infraestrutura, formação docente, inclusão digital real. Porque, do contrário, a tal Indústria 4.0 vai seguir como um privilégio de poucos — e não uma possibilidade acessível para todos os estudantes.
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Como cobrar resultados se não há investimento na formação para a Indústria 4.0?
Enquanto o mercado de trabalho exige jovens adaptados à lógica da automação, da inteligência artificial e das novas tecnologias, a maioria das escolas públicas mal tem acesso à internet estável ou computadores atualizados.
O que vemos, na prática, é uma cobrança para formar professores do futuro com estrutura do passado. E essa conta, inevitavelmente, não fecha.
Dados do Censo Escolar de 2023 revelam que mais de 4 mil escolas brasileiras de ensino médio ainda não possuem laboratório de informática.
E quando possuem, os equipamentos muitas vezes estão defasados ou não funcionam.
Em contrapartida, o setor industrial tem projetado um aumento significativo na demanda por profissionais qualificados em tecnologias emergentes nos próximos cinco anos — especialmente em áreas como análise de dados, automação de processos, robótica e sistemas ciberfísicos.
Ou seja, estamos empurrando nossos jovens para um mercado que não os espera com paciência — e, ao mesmo tempo, os deixamos sem preparação mínima para concorrer.
A pressão por resultados, por empregabilidade e por inovação precisa ser equilibrada com investimento concreto na formação de base.
É preciso equipar as escolas, capacitar os professores e reformular a grade curricular para incluir, de fato, competências digitais e tecnológicas.
Formar um estudante para a Indústria 4.0 vai muito além de inserir uma aula de tecnologia aqui ou ali. Exige continuidade, estrutura e política pública.
Enquanto isso não acontece, o que podemos fazer como educadores é seguir denunciando esse abismo — e criando, na medida do possível, experiências reais com os poucos recursos que temos.
Porque se depender só da escola pública, nossos alunos continuarão sendo preparados para um mundo que já não existe mais.
Diante desse cenário, a pergunta que fica é: quem está sendo formado para a indústria 4.0 — e quem está sendo deixado de lado?
Conclusão
A desigualdade estrutural do nosso sistema educacional não pode ser ignorada. Não basta falar em inovação se as condições mínimas para ensinar e aprender não são garantidas.
É preciso denunciar, mas também construir caminhos possíveis dentro do que temos hoje.
Falar em Indústria 4.0 dentro da escola pública é, muitas vezes, enfrentar uma contradição dolorosa.
Enquanto o discurso oficial aponta para inovação, o chão da sala de aula mostra falta de estrutura, ausência de formação continuada e uma realidade que insiste em nos manter no passado.
Mesmo assim, seguimos criando caminhos possíveis. Não porque tudo está resolvido, mas porque sabemos que nossos alunos merecem mais do que promessas vazias.
Merecem acesso, merecem preparação — e isso só será possível quando investimento, política pública e valorização docente deixarem de ser exceção.
Se quisermos de fato formar estudantes para um mundo em transformação, precisamos começar garantindo o básico: condições reais para ensinar e aprender.
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Professora Camila Teles