Se você já tentou planejar aulas de ensino religioso, provavelmente passou por situações difíceis.
Surgem dúvidas sobre o que pode ou não pode ser abordado, receio de parecer estar doutrinando ou, até mesmo, aquela sensação de estar apenas “ocupando horário” com algo que não tem uma função pedagógica clara.
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Essa insegurança não é só sua. Muitos colegas relatam não saber por onde começar ou não compreender com exatidão o papel do Ensino Religioso como área do conhecimento nos Anos Finais. Eu falei bem sobre esse tema com uma abordagem focada na ética. Leia aqui.
Além disso, a falta de materiais específicos e realmente alinhados à BNCC torna tudo ainda mais desafiador.
É comum que a disciplina seja tratada de forma superficial, perdendo a oportunidade de promover debates profundos sobre valores, diversidade cultural e ética.
Mas existe, sim, um caminho possível. Planejar aulas significativas e bem fundamentadas de Ensino Religioso no 6º ano é totalmente viável — e neste artigo, eu vou te mostrar como fazer isso passo a passo, respeitando a BNCC, a laicidade do ensino e o contexto da sua escola.
O Que Diz A BNCC Sobre O Ensino Religioso No 6º Ano?
Para entender como planejar, é fundamental compreender o que é o Ensino Religioso segundo a BNCC — e, mais do que isso, o que ele não é.
A BNCC, homologada em 2017, coloca o Ensino Religioso como componente curricular da área de Ciências Humanas, com a seguinte definição:
O Ensino Religioso é uma área do conhecimento que propicia o estudo das diversas tradições religiosas e filosofias de vida, sua relação com a cultura e com a formação ética dos sujeitos.(BNCC, 2017, p. 517)
Epistemologia e origem do conceito
A palavra "religião" vem do latim religare, que significa ligar novamente. Esse termo carrega em si uma ideia de reconexão: do ser humano com o sagrado, com o outro, com a natureza, com os valores.
Mas quando falamos de Ensino Religioso na escola pública, não estamos falando de vivência religiosa, mas de conhecimento sobre o fenômeno religioso.
Segundo Luís Roberto Alves, pesquisador da FEUSP e um dos principais estudiosos do tema no Brasil, o Ensino Religioso deve ser:
Um espaço de reflexão crítica, onde o aluno possa compreender o papel das religiões na construção das sociedades e culturas humanas.(ALVES, 2008)
Já Esteban Volkov reforça que o Ensino Religioso deve trabalhar com o conceito de "transversalidade da espiritualidade", ou seja, entender como valores, crenças e sentidos são organizados pelas culturas, sem privilegiar uma visão em detrimento de outra.
Ambiguidade e disputas
Historicamente, o Ensino Religioso foi marcado por práticas catequéticas, principalmente nas décadas anteriores à Constituição de 1988.
Com a laicidade sendo reafirmada pela legislação, a área passou por uma reestruturação profunda — o que gerou conflitos entre visões confessionais e interconfessionais.
A BNCC buscou resolver esse impasse ao destacar que o Ensino Religioso deve ser “não-confessional”, ou seja, não ligado a nenhuma religião específica.
Ainda assim, muitos professores enfrentam pressão social, familiar e institucional para manter práticas religiosas em sala de aula.
Por isso, é essencial conhecer a base legal: o Parecer CNE/CP nº 5/97 e a Resolução CNE/CP nº 2/2017 determinam que o Ensino Religioso deve promover o respeito à diversidade cultural e religiosa, evitando qualquer forma de proselitismo.
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Como Planejar O Ensino Religioso No 6º Ano Na Prática
Agora que entendemos o papel do Ensino Religioso, vamos à parte prática: como fazer esse planejamento acontecer no cotidiano escolar?
O 6º ano é uma fase de transição: os alunos estão saindo dos anos iniciais, ainda muito ligados à figura única do professor, e começando a se adaptar a diferentes disciplinas, linguagens e formas de avaliação.
Esse contexto exige aulas dinâmicas, dialogadas e bem conectadas à realidade deles.
1. Conheça as habilidades da BNCC para o 6º ano
A BNCC apresenta habilidades específicas para cada ano do Ensino Fundamental. No 6º ano, algumas das habilidades principais são:
- (EFER0601): Identificar diferentes tradições religiosas e filosofias de vida.
- (EFER0602): Analisar manifestações religiosas no cotidiano e na cultura.
- (EFER0603): Respeitar e valorizar a diversidade de crenças, religiões e filosofias.
Essas habilidades orientam o planejamento. Elas não pedem que o aluno “acredite” ou “participe” de uma religião, mas sim que compreenda, analise e respeite as diferentes formas de expressão do sagrado.
2. Organize o conteúdo em torno dos eixos estruturantes
A BNCC organiza o Ensino Religioso em quatro eixos estruturantes:
- Ética
- Identidade e Alteridade
- Convivência
- Transcendência
Ao planejar, pense em como seus conteúdos se relacionam com esses eixos. Por exemplo:
- Falar sobre o dia da consciência negra com foco em religiosidade afro-brasileira toca os eixos de identidade e ética.
- Trabalhar símbolos religiosos no cotidiano ativa o eixo da transcendência.
- Discutir bullying por religião promove o eixo da convivência.
3. Use metodologias ativas
Aulas expositivas nem sempre são estimulantes para essa faixa etária. Algumas estratégias que funcionam muito bem:
- Rodas de conversa com perguntas norteadoras
- Análise de imagens, símbolos e músicas
- Leitura e debate de textos de diferentes tradições
- Visitas virtuais a templos religiosos
- Produção de murais temáticos
Lembre-se sempre de manter a neutralidade didática, sem incentivar práticas religiosas, mas sim promovendo reflexão e empatia.
Temas E Projetos Interdisciplinares Para Trabalhar Ao Longo Do Ano
Integrar o Ensino Religioso a outras disciplinas é uma forma poderosa de dar sentido ao conteúdo. Veja alguns temas que funcionam muito bem com o 6º ano:
- Diversidade religiosa no Brasil (com Geografia e História)
- Ritos de passagem em diferentes culturas (com Ciências e Artes)
- Mitologia e religião na antiguidade (com História e Língua Portuguesa)
- Religião e meio ambiente: o cuidado com a criação (com Ciências e Educação Física)
- Preconceito religioso e direitos humanos (com Ensino de Ética e Projeto de Vida)
Esses temas permitem desenvolver projetos interdisciplinares, culminâncias, feiras culturais e até produções autorais dos alunos — como podcasts, vídeos ou exposições.
Sugestão De Sequência Didática Com Habilidades Da BNCC
A seguir, uma ideia de sequência didática para o 6º ano com duração de 4 aulas:
Tema: Religiões do Brasil: Conhecer Para Respeitar
Habilidade BNCC: EFER0601 e EFER0603
Aula 1: Levantamento de conhecimentos prévios: o que os alunos sabem sobre religiões no Brasil?
Aula 2: Estudo de texto informativo sobre cinco tradições religiosas (cristianismo, judaísmo, islamismo, religiões afro-brasileiras, budismo).
Aula 3: Produção de cartazes com símbolos, valores e curiosidades de cada religião.
Aula 4: Exposição dos cartazes e roda de conversa: o que aprendemos sobre respeito às diferenças?
Avaliação: participação, respeito nas discussões e clareza nas apresentações.
Evitando Armadilhas: O Que Não Fazer Em Aulas De Ensino Religioso
Mesmo com boas intenções, é possível cair em práticas que ferem a legislação ou o direito dos alunos. Veja o que deve ser evitado:
- Fazer orações em sala de aula
- Distribuir textos sagrados como material obrigatório
- Promover festividades de uma única tradição
- Recomendar cultos ou celebrações
- Apresentar uma religião como “superior” ou “mais correta”
Essas práticas configuram proselitismo, que é vedado pela legislação e pode gerar conflitos com a comunidade escolar.
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Dicas Para Abordar Temas Sensíveis Com Respeito E Didática
Falar sobre religião exige tato e responsabilidade. Aqui vão algumas recomendações que aprendi com os anos de sala:
- Deixe claro que o conteúdo é acadêmico, não devocional.
- Estimule o debate, mas estabeleça limites para piadas ou ofensas.
- Dê voz aos alunos, mas sem permitir imposição de crenças.
- Use materiais de diferentes fontes e evite simplificações.
O objetivo é formar cidadãos éticos e respeitosos, não religiosos.
Ao longo deste texto, vimos que o Ensino Religioso no 6º ano, quando planejado com base na BNCC, tem um papel relevante na formação ética, social e cultural dos estudantes.
Ele não é espaço de evangelização, mas de conhecimento, análise e respeito à pluralidade de crenças e valores humanos.
Planejar essas aulas exige cuidado, responsabilidade e conhecimento da legislação. Ao usar os eixos da BNCC, metodologias ativas e temas interdisciplinares, conseguimos tornar o conteúdo interessante, significativo e alinhado às diretrizes educacionais.
Afinal, ensinar religião na escola pública não é ensinar a rezar — é ensinar a respeitar. É formar um olhar crítico, acolhedor e preparado para viver em uma sociedade cada vez mais diversa.
Espero que este texto tenha te ajudado de alguma forma.
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FAQ – Perguntas Frequentes Sobre Ensino Religioso No 6º Ano
1. O Ensino Religioso é obrigatório na escola pública?
Sim, está previsto na LDB (Lei 9.394/96), mas a matrícula do aluno é facultativa.
2. Posso fazer oração em sala de aula?
Não. A legislação prevê que o ensino deve ser não confessional, ou seja, sem práticas religiosas.
3. Posso falar sobre a Bíblia em sala de aula?
Sim, desde que seja como objeto de estudo cultural ou histórico, sem caráter evangelizador.
4. Como abordar religiões que os alunos desconhecem?
Use textos acessíveis, imagens, vídeos e crie momentos de discussão com respeito.
5. E se um aluno quiser compartilhar sua fé?
Ele pode, desde que em ambiente de respeito, sem impor suas crenças aos colegas.
6. Como avaliar essa disciplina?
Por participação, trabalhos, produções, reflexões e engajamento com os temas propostos.
7. Posso usar livros sagrados como material didático?
Sim, se forem usados como fonte cultural, ao lado de outros textos, de forma equilibrada.
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Professora Camila Teles